De onde vêm os bebês é a pergunta que nenhum pai ou mãe deseja responder na vida. Em pleno século XXI, não dá mais para culpar a cegonha pelo ato da concepção. É preciso ser sincero e esclarecer as dúvidas dos pequenos.
Na prática, não precisa entrar em detalhes em informações que eles não solicitaram. Explicar sobre educação sexual não acelerará o processo de desenvolvimento deles, mas, sim, proporcionará conhecimento sobre o corpo humano e suas funções. Além disso, ajudará a responder sobre o ciclo produtivo, por exemplo, explicar como os bebês são gerados.
É possível que esse pavor de falar sobre o tema com os pequenos esteja relacionado ao fato dos pais terem uma visão limitada sobre o significado de sexualidade. Se, ao ser questionado sobre o assunto, seu primeiro pensamento for o próprio ato ou experiências eróticas, é normal sentir desespero, mas isso também mostra a importância de ampliar suas percepções.
Durante o 2º Congresso Internacional de Educação Parental, realizado em 2021, a psicóloga Leiliane Rocha, especialista em sexualidade humana e educação parental, enfatizou a urgência de diferenciar sexualidade de sexo e romper barreiras ao conversar com crianças e adolescentes.
A psicóloga explicou que a inteligência sexual se forma na infância. Para elucidar o termo, Leiliane utilizou o conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS): “é a energia que há no ser humano e que leva à busca do prazer em todas as áreas da vida”. Para a especialista, a sexualidade está relacionada à forma como sentimos e interagimos uns com os outros, incluindo aspectos físicos, espirituais e até financeiros.
Neste guia, a proposta é desmistificar a ideia errônea a respeito da educação sexual. O objetivo é compartilhar aspectos sobre o tema e as explicações de especialistas sobre as abordagens adequadas, além de destacar como abordar a educação sexual para crianças.
O que é sexualidade?
A sexualidade compreende o desenvolvimento físico, emocional e social de uma pessoa. Entender o termo pode ser complexo para alguns. No entanto, vamos começar pela entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define sexualidade como “uma energia que nos motiva para encontrar amor, contato, ternura e intimidade; ela integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo ser-se sexual. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental”.
Isso significa que a sexualidade é uma parte importante da vida de todos, desde o nascimento até a velhice. Ela se expressa nos pensamentos, nas fantasias e nos desejos, não apenas em termos de atividade sexual, mas na forma como nos relacionamos com nós mesmos e com os outros. Ela também se manifesta em nossas opiniões e nos relacionamentos. A sexualidade é vida, é a ponte da nossa conexão com o mundo. Ela nem sempre é visível aos nossos olhos, mas é uma parte fundamental da nossa identidade e experiência interna.
Quando falamos em sexualidade, existe um certo tabu. Isso se deve ao fato de que essas limitações são influenciadas por crenças e tradições históricas presentes em nossa cultura. De acordo com a cartilha online Caminhos para a construção de uma educação sexual transformadora, uma produção do Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), “o tabu da sexualidade é cultural, e isso quer dizer que nossa sociedade evita e mesmo proíbe tocar nesse tema. Como consequência, quando educação e sexualidade aparecem juntas — educação sexual —, nos deparamos com inúmeras reações, muitas delas contrárias a esse debate”. Se a dúvida persiste, continue lendo artigo para entender o que é sexualidade.
Sexualidade e educação sexual são a mesma coisa?
A resposta é não! No entanto, estão relacionadas. A educação sexual é a maneira como nos referimos ao processo de aprendizagem que busca ensinar e fornecer informações relacionadas à sexualidade. Entre os temas abordados estão a estrutura e função do corpo humano, saúde reprodutiva, direitos sexuais e reprodutivos, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, consentimento e relacionamentos, e diversidade sexual e de gênero. Mas será que os genitores são a favor desse tipo de ensino?
Nos Estados Unidos, uma pesquisa do periódico Parents, realizada em março de 2023, revelou que 70% dos pais são a favor da implantação de aulas de educação sexual nas escolas. De acordo com os dados, 3 em cada 4 pais concordam que “a educação sexual abrangente é fundamental para o bem-estar e segurança das crianças”.
Em relação ao Brasil, em 2023, o Governo Federal anunciou a retomada da educação sexual no currículo escolar. Essas ações prioritárias foram implementadas no âmbito do Programa Saúde na Escola (decreto 1.004/2023), desenvolvido pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Saúde.
Isto quer dizer que os alunos do ensino básico voltaram a ter aulas sobre saúde sexual e reprodutiva. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 99% dos municípios já aderiram ao programa e a previsão era que mais de 25 milhões de estudantes fossem assistidos.
Sexualidade: quando iniciar a conversa
Se você está em dúvida de quando conversar com a criança sobre o tema, isso difere de acordo com a criança e o cenário em que vive. Vários especialistas recomendam iniciar a conversa desde cedo, adaptando a abordagem à idade e ao desenvolvimento da criança.É muito importante abordar a educação sexual para crianças de maneira apropriada
Segundo a Danielle H. Admoni, psiquiatra geral da Infância e Adolescência, preceptora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em entrevista para o site Vida Simples, “é uma pena quando alguns pais ficam envergonhados, vermelhos ou mudam de assunto, como se fosse algo que não pode ser conversado. O papel dos pais é esclarecer as dúvidas que as crianças têm, pois, se elas não esclarecerem em casa, farão isso em outros lugares, muitas vezes piores, como a internet e outras pessoas por aí. Vale entender o que eles têm de dúvida. Às vezes, é muito mais simples e vamos conversando”, pondera.
Às vezes, os genitores podem iniciar o diálogo respondendo àquela famosa e antiga pergunta: de onde vêm os bebês? Esse tipo de curiosidade é comum e está ligado ao início do desenvolvimento da personalidade e à compreensão delas sobre o mundo.
Se, mesmo assim, você acha complicado, consulte um especialista e tire as dúvidas sobre como explicar de onde vêm os bebês. Também é possível buscar conhecimento por meio dos livros. Particularmente, o livro De onde vêm os bebês aborda o assunto de uma forma bem didática e lúdica.
Livro “De onde vêm os bebês”
Escrito por Andrew Andry e Steven Schepp e publicado em 1968, a obra explora, de forma inteligente, simples e ilustrativa, o processo natural da vida, desde o princípio da concepção até o nascimento. Em um tom didático, mas ao mesmo tempo sensível, os autores abordam os diferentes tipos de reprodução dos seres vivos.
Ele mostra como ocorre a reprodução das flores e dos animais, até chegar na reprodução humana. O interessante é que utilizam os termos certos, chamando cada órgão pelo seu nome com clareza.
Por falar nisso, a especialista Dani Fontinele ressalta que é fundamental ensinar o nome correto dos genitais, mesmo que em casa se use apelidos. É “importante que a criança saiba o que é vulva ou pênis, porque, em uma situação de assédio, ela saberá descrever onde foi tocada, por exemplo. Assim, na escola ou em outro ambiente, ela será compreendida e um adulto poderá identificar o abuso e ajudar.”
Para você ter uma ideia da obra-prima que é este livro infantil, selecionamos dois trechos para que você possa entender um pouco da preciosidade da obra. Confira:
Trecho do livro:
“A história que vamos contar é sobre sua vida.
Você já pensou alguma vez de onde vêm os bebês?
Já imaginou por acaso como foi que você nasceu?
Pois neste livro, vamos mostrar como foram criadas as plantas, os animais e os seres humanos como você.”
Os estímulos visuais ajudam as crianças a aprender sobre o mundo ao seu redor, e as ilustrações do livro complementam a história narrada.
“Agora você já sabe como nasceu. Foi assim que sua vida começou. Você não foi feito apenas com um óvulo de sua mãe ou com um espermatozoide de seu pai. Você foi feito com uma parte dos dois, pois foi preciso que eles se juntassem para que você fosse criado.
Todas as pessoas começam suas vidas dessa maneira.”
Abordagem adequada por faixa etária
Para responder à dúvida sobre como nasceram, é importante que os pais considerem a faixa etária da criança, garantindo que a explicação seja adequada e compreensível. Saber como explicar de onde vêm os bebês não se limita ao ato de concepção, mas também ao conhecimento do corpo. Aqui estão algumas orientações:
Segundo Dani Fontinele, terapeuta sexual e sexóloga clínica, membro da Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual (ABRASEX),” é importante falar com a criança conforme a maturidade e o entendimento que ela tem”.
Selecionamos algumas orientações do Quadro elaborado pela Child Sexual Abuse Committee of the National Child Traumatic Stress Network, em parceria com a National Center on Sexual Behavior of Youth (2013), e publicado no portal Lunetas.
O que considerar para responder de acordo com a faixa etária:
Até 4 anos
- Falar nomes corretos dos órgãos genitais;
- Explicar que bebês vêm da barriga das mães;
- Explicar que meninos e meninas são diferentes;
- Responder perguntas básicas sobre o funcionamento do corpo;
- Falar sobre privacidade;
- Não é recomendado dar detalhes sobre procedimentos médicos.
Dos 4 aos 6 anos
- Explicar como os bebês se desenvolvem na barriga da mãe;
- Informar sobre o processo de nascimento;
- Introduzir informações básicas de anatomia;
- Respostas diretas sobre o corpo e suas funções.
Dos 7 aos 12 anos
- Introduzir noções básicas de reprodução, gravidez e parto;
- Falar dos riscos envolvidos em relações sexuais (gravidez e doenças);
- Informar noções básicas de contracepção;
- Explicar sobre as mudanças da puberdade.
A partir dos 12 anos
- Introduzir métodos de prevenção contra doenças;
- Abordar de maneira mais completa características dos relacionamentos.
Não faça isso
Não alimente os mitos sobre o nascimento
O livro de onde vêm os bebês é um ótimo exemplo de como conversar com seu filho sobre o processo que envolve o nascimento, desde a união de corpos dos pais até o momento da amamentação da criança. Não é necessário e nem recomendável mentir para a criança com informações descabidas, como “nasceu da cegonha”, “ foi feito de mágica” ou “foi jogada do avião”.
Fugir da resposta
Para alguns pais, não é fácil falar sobre esse tema, seja por vergonha, preconceito ou por falta de base teórica. No entanto, fugir da conversa não vai acabar com a curiosidade da criança. Em vez de evitar o diálogo e proibir o assunto, disponibilize-se a buscar informações para cumprir seu papel de educar.
Pensar que discutir o assunto vai estimular o início da vida sexual
Conversar sobre educação sexual não é um incentivo à prática sexual precoce. De acordo com a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria, “a sexualidade não depende da puberdade para florescer”.
Segundo pesquisas científicas, crianças e adolescentes que têm acesso a informações precisas e completas sobre sexualidade tendem a adiar o início da vida sexual e são menos suscetíveis à gravidez precoce e à contaminação por IST.
Achar que o silêncio vai impedir a curiosidade
Não vai. A curiosidade das crianças é natural. Se elas não encontrarem respostas em fontes confiáveis, como pais ou mães, tendem a buscar informações pelas quais procuram respostas em outros lugares, talvez menos idôneos. Hoje, com acesso à internet, crianças e adolescentes podem usar ferramentas como o Google e o YouTube, que possuem assistentes de voz, facilitando ainda mais a busca por informações. E não são poucas!
Reações dos pais ao abordar a sexualidade
Se para quem é bem informado é difícil abordar a sexualidade adequadamente com os filhos, para quem não tem o mesmo grau de instrução, a situação se torna ainda mais complexa. É natural que muitos pais se sintam inseguros ou até mesmo intimidados pelo tema e, em alguns casos, desistam de discuti-lo. Algumas reações comuns incluem:
- Falta de conhecimento: Muitos pais não têm base para falar sobre o tema ou desconhecem totalmente. Por isso, eles têm medo de fornecer informações erradas;
- Vergonha ou desconforto: Muitos pais cresceram em culturas onde a sexualidade era um tema tabu, o que pode levar a sentimentos de constrangimento ao discutir o assunto;
- Preconceito: O tabu ainda existe e a população tem uma ideia errônea sobre sexualidade e educação sexual, muitas vezes associando esses termos à prática sexual;
- Preservar a inocência da criança: Alguns pais podem achar que discutir sexualidade e educação sexual estragará a infância ou acelerará o desenvolvimento da criança.
Saiba como lidar com perguntas inesperadas
Se você é pai ou mãe, em algum momento poderá se deparar com perguntas sobre sexualidade. Aqui estão quatro dicas para ter em mente antes de responder:
- Mantenha a calma;
- Seja honesta e direta;
- Lembre-se de que ninguém nasce sabendo. Se não souber a resposta, seja sincera e diga que vai procurar a informação;
- Não caia em fake news, existem várias fontes confiáveis para pesquisa.
Materiais que abordam o tema e fontes confiáveis
Não tem como falar sobre sexualidade sem enfatizar a importância da educação sexual. Ambas são essenciais para o desenvolvimento infantil e adolescente, proporcionando formar uma base saudável para o entendimento da sexualidade. Para auxiliá-los nessa busca por informações, listamos materiais e sites confiáveis para que você possa estudar sobre o assunto e se sentir mais segura ao conversar com suas crianças.
- Cartilha online Caminhos para a construção de uma educação sexual transformadora, produzida pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Brasília (UnB);
- Cartilha Saúde e Sexualidade de Adolescentes; produzida pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS);
- Ministério da Saúde, clique aqui;
- Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), clique aqui;
- Unicef, clique aqui;
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); clique aqui.
Conclusão
Explicar de onde vêm os bebês para uma criança pode ser uma tarefa simples desde que os pais estejam abertos para isso. A melhor forma de isso é abordando a sexualidade, que não deve ser associada apenas à prática sexual. O termo “sexualidade” é muito amplo e profundo, envolvendo aspectos de autoconhecimento, o entendimento do próprio corpo e das emoções.
Para a psicóloga Leiliane Rocha, “educação sexual não tem nada a ver com erotização”. Ela acredita que a inteligência sexual é formada na infância e que é preciso quebrar tabus, reconhecendo a importância da educação sexual para o desenvolvimento infantil.
Os pais, assim como a escola, têm um papel fundamental ao abordar a educação sexual. Quando a sexualidade é discutida de forma aberta e educativa, pode ajudar as crianças a reconhecerem e denunciarem abusos. Um toque em lugar não apropriado no corpo ou um beijo sem consentimento são atos que podem ser denunciados quando as crianças têm conhecimento sobre seus corpos, limites e direitos.
Segundo Dani Fontinele, “sabemos que 90% dos casos de assédio ou até de violência sexual contra menores são praticados por pessoas conhecidas. Manter esse diálogo franco mostra para as crianças e os adolescentes que eles têm em quem confiar, que poderão contar e saberão que serão acolhidos e amados”.