Embora muitas mulheres cobicem assumir o papel de mãe, os desafios da maternidade são muitos e complexos. Será que elas estão cientes do que está por vir? Nem tudo são flores, a maternidade traz consigo uma série de mudanças e experiências. Com a gravivez anunciada, vem junto um turbilhão de sentimentos que se conectam de formas inesperadas: alegria, ansiedade, excitação, medo, preocupação e amor.
Nesta fase, lidar com as alterações hormonais, emocionais, psíquicas e do corpo exige muito da mulher. À medida que o parto se aproxima, as emoções se tornam mais fortes, trazendo à tona uma série de incertezas que muitas mães, especialmente as de primeira viagem, enfrentam. Por isso, é fundamental que a futura mamãe tenha uma rede de apoio, que inclua familiares, amigos e profissionais de saúde, tanto antes quanto depois da gravidez.
Na nossa sociedade, a maternidade é vista como um caminho natural para todas as mulheres, um ideal feminino, e ainda existe uma forte romantização dessa fase da vida. O objetivo deste artigo não é desmotivar as mulheres que sonham em ser mães, mas também não pretende florear um papel tão importante que transforma completamente a vida de uma mulher.
Para se ter uma ideia, um estudo elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz), intitulado o Nascer no Brasil, considerado a maior pesquisa de parto e nascimento realizada no país até o momento, revelou que 26,3% das gestantes brasileiras apresentaram algum sintoma de depressão pós-parto. Entre os sintomas estão: insônia, perda de apetite, apatia, falta de disposição, irritabilidade intensa e sentimentos de pânico.
Esses dados, que contrastam com a expectativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para países de baixa renda, que é menor que 20%, podem ser atribuídos a vários fatores, como mudanças hormonais, por exemplo.
Neste artigo, vamos explorar as incertezas iniciais da maternidade, apresentaremos o cenário atual dessas mulheres no Brasil e traremos as opiniões de especialistas. Seja você mãe de primeira viagem ou não, aproveite a leitura e deixe o seu ponto de vista nos comentários.
Cenário atual
Apesar do número de mulheres que não desejam ter filhos ter crescido, chegando a 37%, há aquelas que não querem mais adiar esse sonho. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) este ano trouxeram informações interessantes sobre duas faixas etárias. Enquanto o número de mulheres que optaram pela maternidade somente após os 40 anos cresceu 65,7% em 12 anos, a quantidade de mulheres de 30 a 39 anos aumentou significativamente, subindo para 19,7% no mesmo período.
Agora quando o assunto é saúde mental das mães, a história é outra e traz preocupações. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma a cada cinco mulheres brasileiras sofre com depressão pós-parto, no período de 6 a 18 meses do bebê.
No contexto global, dados indicam que o sofrimento mental das mães pode ser tão profundo que leva ao suicídio, tornando-se uma das principais causas de morte entre mulheres no primeiro ano após o parto. Segundo a a psicóloga e membro do Grupo Condutor Distrital da Rede de Atenção Psicossocial (GCDRAPS), Carolina Leão, em entrevista ao portal da Secretaria de Saúde DF, “estudos mundiais estimam que 3,7 mulheres cometem suicídio no pós-parto a cada 100.000 nascidos vivos”.
Durante a gestação e o primeiro ano de vida do bebê, a saúde mental da mulher pode ser significativamente impactada por alterações hormonais. As mães se tornam mais vulneráveis a transtornos mentais e enfrentam dificuldades para equilibrar a vida familiar e profissional. Além disso, fatores como complicações no parto, perdas gestacionais, prematuridade e outras questões também contribuem para esse impacto na saúde mental.
Romantização da maternidade
A forma como a mulher lida com a maternidade ainda divide opiniões. Embora uma parcela da população acredite que ter um filho recém-nascido é só flores, do outro lado há muitas famílias que se deparam com uma realidade completamente diferente daquela que esperavam.
Em razão de contextos históricos, fruto de uma concepção patriarcal, a “figura” mãe é idealizada como um ser sagrado pela sociedade, que exerce a maternidade como amor incondicional e abnegação total. Expectativas irreais são criadas, sugerindo que uma mãe deve estar sempre disponível e realizada em seu papel, sem considerar seus sentimentos e estado. As pessoas têm certa dificuldade de dissociar a maternidade romantizada da maternidade real. Por isso, quando uma mãe não se envolve nesses desafios da maternidade ou expressa seus verdadeiros sentimentos em relação à sua vivência, acaba sendo criticada.
Para a psicóloga Maria Fernanda Nogueira Ceccato, pós-graduada em psicanálise, parentalidade e perinatalidade pelo Instituto Gerar, em São Paulo (SP), em entrevista ao portal BBC Brasil, “a maternidade real busca trazer à tona o que realmente acontece quando chega um filho em nossas vidas. O objetivo é que as famílias não se sintam sozinhas ou deslocadas, como se algo errado estivesse acontecendo”.
Na prática, a realidade é outra. As pessoas precisam entender que nem todas as mães saíram de um roteiro de novela do Manoel Carlos. Muitas mães passam noites sem dormir, cuidando da adaptação do recém-nascido e das cólicas, tendo de lidar com as próprias mudanças físicas e emocionais, que podem gerar frustração e ansiedade.
Lidando com as inseguranças e incertezas
É comum sentir insegurança, solidão e dúvida no início da maternidade. Afinal, a mulher muda sua rotina, e atividades que antes eram comuns, como comparecer a eventos sociais, sair com amigos para jantar ou bater um simples papo por mensagem, tornam-se mais raras. Agora, ela tem alguém totalmente dependente dela, com situações inesperadas surgindo, o que a faz aprender a cada dia. O período de adaptação leva tempo, e aprender a conciliar a maternidade com a vida pessoal e profissional é um processo gradual.
A maternidade gera muitas expectativas, tanto de familiares e amigos quanto da própria mulher em relação a si mesma e sua nova função. Não é novo que a sociedade costuma projetar ideais de maternidade que, muitas vezes, podem criar uma pressão esmagadora sobre as mães.
Um levantamento sobre a saúde mental materna no Brasil, conduzido pela plataforma De Mãe em Mãe, idealizada pela nutricionista Giliane Belarmino, que também é pesquisadora da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que a mãe brasileira está esgotada, insatisfeita e acumula mais funções em casa do que seus parceiros.
A pesquisa, que contou com a participação de 872 pessoas de todo o país, revelou que 66% das mães classificam a própria saúde mental como péssima, ruim ou regular, enquanto 34% consideram boa ou ótima. No entanto, 56% das participantes afirmam que fazem terapia.
Giliane, em entrevista ao portal Veja, explica que, “durante os dois anos do puerpério, a mãe se priva dela e começa a viver no piloto-automático. Ela está em um turbilhão de emoções e, muitas vezes, não tem suporte de uma rede de apoio, nem de escola integral ou do parceiro, e ainda se sente culpada”.
O que mais diz o levantamento
- Sentimento de sobrecarga: relatado por 97% das entrevistadas, com frequência variando de cinco a todos os dias do mês;
- Sentimento de esgotamento: relatado por 94% das entrevistadas, também durante o mesmo período.
Em relação ao autocuidado, a pesquisa também revelou a visão das mães, que evidenciaram que não precisam sair de casa nem realizar grandes gastos para praticá-lo. Veja a seguir o que elas gostariam de incluir nessa rotina necessária para a saúde mental:
- 58,14%: Ler um livro;
- 22,82%: Assistir a uma série ou filme;
- 7,11%: Tomar um café ou um chá quentinho.
Mudar esse cenário será bem desafiador, uma vez que as realidades são diferentes e nem todas as mães têm acesso a meios que facilitem a maternidade, como escolas integrais e horários flexíveis, sem mencionar as mães solos que enfrentam ainda mais dificuldades. Para a psicóloga, “é preciso dividir as tarefas e responsabilidades. A mãe também precisa estar com autoestima boa e saber dizer não. A mãe não precisa ser perfeita e a maternidade não é ser mártir nem é renegação das coisas”.
Entretanto, é importante entender que não há um modelo ideal de maternidade e que não existe um manual definitivo ensinando isso. O que funciona para uma família pode não funcionar para outra. Na vida, estamos sempre aprendendo a lidar com expectativas e incertezas, e na maternidade não é diferente. Maternar envolve aceitar que você, como mãe, está em uma jornada de aprendizado constante. Portanto, erros e desafios devem ser vistos como oportunidades de crescimento.
Por isso, praticar a autocompaixão é fundamental, está tudo bem ter dúvidas e não saber todas as respostas. Tanto como mãe quanto como mulher, o importante é estar disposta a aprender e se reinventar, além de cuidar do seu filho utilizando todas as habilidades e o conhecimento que possui no momento atual.
Medos comuns na maternidade
Ser mãe é uma experiência única na vida das mulheres, e os medos são comuns ao iniciar essa etapa. A seguir, confira um dos maiores desafios da maternidade, que são enfrentar os medos:
Se o estresse pode fazer mal para o bebê
O bebê não sente tudo o que você sente ao pé da letra. No entanto, o estresse pode comprometer a saúde da mãe, alterando o sono e o sistema imunológico.
Uso de remédio pode prejudicar o bebê
Nem pensar em se automedicar durante a gravidez. Medicamentos devem ser tomados apenas sob orientação médica. Não se preocupe, pois, nesses casos, eles podem trazer mais benefícios do que riscos, como no caso de gestantes que sofrem de depressão, diabetes gestacional ou hipertensão.
Não perder os quilos adquiridos na gravidez
Para quem começou a gestação com o peso adequado, é possível ganhar entre nove e 12 quilos. Por isso, controle a dieta e faça exercícios físicos ao longo da gestação. Depois do parto, a amamentação também é uma ótima maneira de queimar calorias naturalmente, fazendo com que a mulher possa perder cerca de 800 calorias por dia.
Não conseguir amamentar
A amamentação sempre é um desafio para as mulheres, e o medo de não conseguir amamentar é comum entre elas. Embora raramente as dificuldades na amamentação sejam causadas por questões físicas, elas podem estar relacionadas a fatores emocionais, como estresse, cansaço, entre outros. Por isso, é fundamental buscar informações, seja por meio de cursos, consultas com o obstetra, pediatra ou enfermeiras da maternidade, e ter paciência.
Nunca voltar ao corpo de antes
Nessa fase, procedimentos estéticos devem ser evitados para manter a saúde da mãe e do bebê. O corpo da mulher muda mesmo depois da gravidez, isso é fato. Ele precisa de tempo para se recuperar. Segundo a psicóloga Rita Calegari, em entrevista à revista Crescer, devemos ser “generosas com o nosso corpo, levará pelo menos 1 ano para que o útero possa voltar ao tamanho normal, para a gente desinchar e o metabolismo entrar no ritmo”.
Para a especialista, a gestação deixa as suas marcas, “o corpo que passa pela gestação tem a identidade de um corpo que gerou uma outra vida e nós precisamos acolher isso”.
Não dar conta de ser mãe
Ser mãe não vem com manual de instrução; é comum sentir cansaço, insegurança, medo do desconhecido. Afinal, mãe também é mulher, um ser humano. Não se pode romantizar essa situação, pois começar algo novo traz receios e ansiedade, e está tudo bem. Lembre-se que a gravidez é um momento único na vida das mulheres, e os medos são comuns nessa etapa.
Dicas práticas para enfrentar os desafios da maternidade
Não é fácil lidar com a pressão da maternidade. Entretanto, você, que é mãe, não compartilha desse sentimento sozinha. Não se maltrate para atender às expectativas sociais, familiares e pessoais irreais, que podem fazê-la questionar suas decisões e habilidades parentais. Para as mães que buscam apoio para enfrentar as incertezas iniciais da maternidade, a Seconsult, uma clínica 100% online especializada em saúde mental, listou algumas dicas que podem ser úteis para você enfrentar os maiores desafios da maternidade. Veja a seguir:
- Busque apoio e construa uma rede de apoio: Essa rede pode incluir familiares, amigos, outros pais e grupos de apoio. Outra dica é participar de encontros ou grupos online de mães para compartilhar experiências e conselhos sobre temas como amamentação, hora do banho e produtos a serem utilizados etc;
- Informe-se: Leia livros, assista a vídeos educativos e participe de cursos sobre cuidados infantis pode aumentar sua confiança nas suas habilidades maternas. O conhecimento é uma ferramenta poderosa contra a insegurança. Por exemplo, se você está preocupada com o choro do bebê, busque informações sobre o assunto;
- Cultive a autocompaixão: Seja gentil consigo mesma em momentos de dificuldade e reconheça que é normal cometer erros. Todos cometem erros, enfrentam desafios e passam por dias difíceis;
- Dê atenção a si mesma: O autocuidado é fundamental para a saúde mental e emocional das mães. Por isso, reserve um tempo para atividades que você gosta e que a façam sentir bem, mesmo que sejam apenas alguns minutos por dia, como ler, ouvir música ou comer uma sobremesa que você gosta;
- Monte uma rotina flexível: É importante ter uma rotina na maternidade, pois ela traz uma sensação de segurança e previsibilidade tanto para a mãe quanto para o bebê. No entanto, é importante que essa rotina seja flexível para se adaptar às necessidades de ambos;
- Considere a terapia: Se for necessário, procure ajuda de um profissional para obter um suporte emocional e aprender a lidar com esses desafios.
A importância da rede de apoio
Nesse período, contar com uma rede de apoio, de pessoas do seu ciclo pessoal ou profissionais experientes, não se limita apenas a cuidar do bebê quando a mãe precisa. Ela desempenha um papel muito mais além, amplo, que inclui suporte emocional, trocas de conselhos, auxílio nas tarefas diárias e, principalmente, a preocupação com o bem-estar da mãe e da criança.
Para a psicóloga Rita Calegari, a “rede de apoio é imprescindível e não precisa ser familiar; pode ser de profissionais, amigos, e pode se renovar, mas precisam ser pessoas confiáveis que possam ajudar os cuidadores a suprirem as necessidades dos bebês”. Essa rede é essencial para os pais, pois oferece segurança e apoio emocional durante uma etapa exigente. “Pais que contam com uma rede de apoio têm uma segurança, um suporte emocional, uma base. Pessoas sem rede de apoio estão muito mais vulneráveis e desamparadas frente às dificuldades”, explicou a psicóloga.
Maternidade precoce no Brasil
Embora o número de gravidez na adolescência apresenta queda, essa questão continua sendo constante no Brasil. Isso porque o nosso país ainda enfrenta altos índices de gravidez na adolescência, o que impacta na saúde das jovens e no acesso à educação e a oportunidades profissionais.
Um estudo do Ministério da Saúde, divulgado em 2020, apontou que cerca de 380 mil partos foram de mães com até 19 anos de idade, representando 14% do total de nascimentos no território brasileiro.
Segundo o site do Senado Federal, a gravidez precoce traz consequências para a vida das jovens, que enfrentam conflitos psicológicos e familiares, abandonam os estudos e têm maior dificuldade para se encaixar no mercado de trabalho.
O que fala a legislação
Criada com o objetivo de estabelecer novas diretrizes para a gravidez na adolescência, a Lei 14.721, de 2023, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa nova legislação amplia a assistência a gestante, parturientes e puérperas, mulheres em período pós-parto, garantindo o direito à assistência psicológica no Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com avaliação médica.
A nova lei, que complementa o artigo 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) obriga hospitais e estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, a desenvolverem atividades de conscientização sobre a saúde mental das gestantes.
Conclusão
A maternidade é um caminho de retas e curvas, cheio de altos e baixos, que exige coragem, paciência e resiliência. Os desafios da maternidade são diversos e exigem muito da mulher, que a cada dia descobre algo novo e vivencia novas experiências. Qual mãe nunca ficou noites sem dormir, ficou aflita com os mitos da amamentação ou se preocupou quando os pequeninos adoecem?
Seja você mãe de primeira viagem, experiente ou solo, as incertezas desse começo são compreensíveis e compartilhadas por muitas. É natural sentir-se sobrecarregada diante das expectativas e das mudanças na rotina e no próprio corpo. O que não se deve fazer é impor cobranças ríspidas sobre algo que é novo para você. É essencial ter um olhar gentil para si mesma, buscar apoio emocional e prático, além de construir uma rede de apoio.
Lembre-se de que cada experiência é única e que não existe um método perfeito para ser uma boa mãe. Nesse artigo, buscamos abordar os aspectos que envolvem esse momento inicial da mulher, trazendo dados, opiniões de especialistas e dicas para lidar com os desafios nessa etapa da vida.
Assim como é desafiadora, a maternidade é transformadora. Além de ressignificar o verdadeiro sentido do amor, ela traz novas descobertas sobre si mesma e sobre o mundo.